Catia Bandeira – 04.03.2022

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PUTIN E DIATLOV, OS COMANDANTES DE DUAS TRAGÉDIAS ESPELHADAS

Por Catia Bandeira, Jornalista e Diretora da CORE Comunicação & Relacionamento

Em pleno fevereiro de 2022, é assustador e revoltante dividir a tela da TV entre o documentário Chernobyl e a vida real em Kiev nos noticiários. Apesar de os cinco episódios de “Chernobyl” terem sido liberados em 2019, somente na noite desta quarta-feira, 23/02, horas antes de o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenar a invasão à Ucrania, comecei a me petrificar diante da minissérie. Fazia quase três anos que era um item da minha lista de streaming – arrebatou 25 prêmios internacionais, entre os quais o Emmy do Primetime de melhor minissérie em 2019. Quanto mais eu me intoxicava com o relato sobre o maior acidente nuclear da história, em 25 de abril de 1986, mais eu me envenenava contra Putin.   

Quanto mais eu conhecia sobre o engenheiro nuclear Anatoly Diatlov – vice-engenheiro-chefe da Usina Nuclear de Chernobyl e supervisor do teste de segurança que provocou a morte de milhares de pessoas –, mais preocupantes matches encontrei no comportamento de Putin – belicoso desde sempre, cujo pai foi veterano da Segunda Guerra Mundial, e ele próprio chegou a coronel da KGB, a mais temível organização de serviço secreto da então URSS e do mundo. 

Nos diálogos dos momentos que antecedem a tragédia anunciada reconstituídos na minissérie, Diatlov fez assédio moral e ameaçou seus subalternos, obrigando-os a dar seguimento ao protocolo do teste de segurança para o qual já havia evidências de que seria temerário levá-lo a cabo e, por isso, não deveria ser realizado. Prepotente e carreirista, Diatlov queria fazer o tal teste de qualquer jeito porque, sendo eficaz, era a forma de escalar cargos na usina e ser o número 2 na hierarquia. Prepotente, carreirista e burocrata, Putin, nascido em Leningrado (atual São Petersburgo), se mudou para Moscou ao deixar a KGB a fim de escalar posições em um partido político. Avançou como um míssil.  

Em 1996, começou como vice-assessor do presidente da Rússia, já com o status de uma das figuras mais influentes – e, certamente, temidas do Kremlin. Dois anos depois, tornou-se diretor do Serviço Federal de Segurança, o FSB, agência russa de serviços de informação sucessora da KGB nos assuntos domésticos. Eficiente e à vontade em fazer e acontecer, foi tão bem-sucedido que conquistou a promoção para a chefia do comitê de segurança do país, convertendo-se, em 1999, no primeiro civil a liderar a polícia secreta. 

Em seguida, ainda em 1999, Putin, em um encontro com o então presidente Boris Yeltsin, é convidado a assumir como primeiro-ministro. De chegada, ratificou o estilo enérgico e quase sempre nada conciliador: debelou uma revolta dos separatistas chechenos. No final daquele ano, com a renúncia de Yeltsin, assumiu a presidência da Rússia e o comando para nunca mais deixá-lo. Manteve-se na presidência por dois mandados consecutivos (2000-2008); e, como a constituição russa não permite o terceiro, conduziu à liderança Dmitri Medvedev, que, vejam só, o nomeou primeiro-ministro. Voltou para o terceiro mandado (2012-2018) e agora está no quarto (2018-2024). 

Competitivo, o judoca faixa-preta Putin certamente quer bater o recorde de longevidade no poder, estabelecido “apenas” por Josef Stalin, no governo por quase três décadas, entre 1924 e 1953.  Perto de completar 69 anos em outubro  –, a autoconfiança de Putin deve fazê-lo acreditar na possibilidade de tomar o lugar de Stalin nesse pódio. Ainda que o advento deste texto seja as similaridades entre Putin e Diatlov, impossível não mencionar a obsessão de Putin e Stalin pela altura: respectivamente entre 1m68cm e 1m71cm (não se sabe ao certo) e 1m62cm. O sentimento, com toda a certeza, é de se sentirem prejudicados verticalmente diante da estatura que construíram em outras dimensões. Em tempo, neste domingo (27/02), a Federação Internacional de Judô suspendeu o cargo de presidente honorário da organização, concedido a Putin juntamente com a qualificação de embaixador da modalidade, dentro do movimento internacional de sanções pela invasão a uma nação soberana e independente.  

Na sessão extraordinária da Assembleia Geral da ONU, nesta segunda-feira (28/02), tanto o embaixador ucraniano quanto o russo partiram para acusações mútuas de disseminação de fake news. Assim como a nuvem radioativa de Chernobyl foi impossível de ser ocultada, por mais que os russos tenham cometido atrocidades para manter o público ignorante e desinformado, os fatos, as motivações e as consequências reais das ações de Putin também virão à tona. Conectados com inteligência e sobriedade na minissérie adaptada do livro “Vozes De Tchernóbil – A História Oral Do Desastre Nuclear”, da escritora ucraniana Svetlana Aleksiévitch, Prêmio Nobel de Literatura em 2015, os fatos, as motivações e as consequências da vaidade e do negacionismo russos explodiram e incendiaram Chernobyl, aniquilando milhares de vidas, a maior parte delas inocente. Como esta guerra em Kiev e outras cidades da Ucrânia, as consequências poderão ser para sempre. Diatlov falava sem nunca sorrir. Putin, às vezes, exibe um sorriso à la Monalisa. Só que apavorante como convém a um “camarada” da KGB.   

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