As agências têm tudo para fazer isso, porque o cliente tem uma visão de túnel. A riqueza das agências está em olhar lateralmente, a partir de diferentes cenários e indústrias. E é isso que os clientes esperam, também, delas: trazer inspiração, olhar fresco e fazer as perguntas que eles não fazem. Muitas vezes resolvemos um problema que é um sintoma, então não vamos resolvê-lo de verdade, porque temos que chegar na causa.
Qual é a sua visão sobre a cultura de concorrência do mercado?
É preciso ter uma visão um pouco mais de longo prazo, porque você não tem grandes resultados se muda de agência a cada dois, três anos. Um bom exemplo é a AlmapBBDO, possivelmente a agência com mais retenção de clientes do mercado brasileiro, e os resultados falam por eles mesmos.
Você não constrói nada a curto prazo. Hoje, há uma pressão muito grande nas empresas por performance, pelo curto prazismo. Então a não concorrência visa exatamente isso: manter relações de longo prazo para que elas possam oferecer resultados melhores. Se você tem uma relação com que não está totalmente satisfeito, mas já tem uma caminhada, existe uma intimidade, e é importante considerá-la.
Há um custo alto da mudança que os clientes às vezes não consideram. Certa vez, fiz uma conta de padaria para um cliente e levam 18 meses para a agência nova chegar no mesmo nível da agência atual. Seis meses são só de ajustes do escopo, que ainda não está definido direito, e da equipe. Em um ano, essas mudanças são consolidadas. Um ano e meio, então, é o tempo em que a agência nova entra na intimidade do negócio e do problema do cliente e dos stakeholders, algo que a agência atual já tem. Então o custo da mudança é um ano e meio vezes o fee mensal.
Vale a pena mudar de agência, tendo em vista esse custo de mudança? É preciso estar muito insatisfeito e ter completa falta de esperança na melhora para tomar essa decisão. Ou seja, vale refletir.
Seu livro “O Efeito Iguana” é resultado de uma pesquisa para entender por que os clientes não aprovam as ideias mais criativas. Por que isso acontece?
O processo de decisão e de aprovação de uma ideia passa por cinco etapas. A primeira é um checklist para ver se a ideia está dentro do briefing e é minimamente ética. Depois, passa pelo reconhecimento, que se dá pela intuição. Se sou uma executiva de marketing, por exemplo, e tenho 20 anos de experiência, olho para a ideia e sei se vai funcionar ou não, mas ainda é intuitivo.
Depois, vêm as razões para acreditar. O que aquilo vai gerar de resultado, como vai impactar meu consumidor. Nas empresas tradicionais, até esta etapa ainda temos chance de ser criativos. Porém, há mais dois passos que acabam levando à previsibilidade, pois acontecem quando você precisa gerar confiança. Nesse momento, você organiza um comitê, porque não quer decidir sozinho. A ideia, então, precisa ser aprovada por consenso. E o problema não é um consenso em si, porque no final do dia precisamos entrar em acordo. A questão é se o processo de consenso for muito fácil. Se a ideia não causa susto e impacto, se não gera discussão e divergência construtiva, então ela é muito previsível.
E aí você chega na última etapa, que é a validação. É quando as empresas delegam a decisão para o consumidor, para saber se funciona ou não. Ou para a área de dados, que só querem confirmar as hipóteses. E aí o que acontece quando perguntamos para as pessoas? Elas normalmente respondem o que acham que você quer ouvir, ou o que é familiar a elas. E, se a ideia não é familiar, é muito esquisita, eles vão rejeitá-la. Mas às vezes uma ideia esquisita é tudo o que você precisa para chamar atenção. Ou seja, as etapas vão levando para a previsibilidade, e não para a criatividade.
O que te motivou a criar a The Human Rise?
A Human Rise nasceu de uma crença que tenho há anos, principalmente no mercado cliente-agência, de metodologias de concorrência mais saudáveis, justas e sustentáveis. Queria expandir a experiência da relação cliente-agência para tornar o mercado de trabalho mais saudável e até divertido. Não sou de RH, nem publicitária. Sou meio impostora, porque sou engenheira de formação, mas acho que meu olhar diferente e de processo veio daí.
Quando comecei a fazer concorrência, falava: “gente, o que é isso? Como assim a agência está trazendo tudo isso sem ter sido escolhida ainda?”. Queria me enfiar embaixo da mesa, porque já tinha uma experiência como cliente antes, em marketing, e achava aquilo tudo muito surreal.
Ao longo do tempo, percebi que duas coisas acontecem numa concorrência tradicional: a campanha é frequentemente feita por freelancers e a agência ainda não conhece o cliente. Então existem várias ideias abandonadas que poderiam ter sido melhores do que a apresentada, só que a agência não poderia saber, porque não teve troca com o cliente. E esse é um ponto importante: em um processo de concorrência, os dois lados têm que se conhecer e escolher. É como um casamento, não é apenas um lado que escolhe.
O objetivo do workshop que fazemos é mostrar a cultura e o talento das agências e dos clientes, e a paixão sempre acontece, porque a agência se expressa da forma como trabalha, e quem está por trás disso são as pessoas, o verdadeiro talento. A ideia é simular a resolução de um problema juntos antes, para ver com quem todos preferem fazer isso.
Como você vê o futuro dos negócios da Human Rise?
Quero transformá-la em uma plataforma. Estou nesse processo, automatizando algumas etapas. A ideia é escalar o projeto para torná-lo acessível e transformar a vida de mais pessoas.
Você está na Espanha há seis anos. Como é ser uma liderança feminina e empreendedora nesse mercado?
O mercado brasileiro está mil vezes mais evoluído em termos de saúde mental e melhores condições de trabalho. Os brasileiros são muito mais produtivos e, em geral, estão acostumados a lidar com situações de instabilidade. Aqui, como é um ambiente muito estável, a inflação de agora é um desespero para os espanhóis. Por isso, acho que a abordagem da Human Rise tem muito mais eco no Brasil.
Assédio moral, por exemplo, é algo que existe na Espanha, mas não se tem muita consciência sobre. O tom de voz europeu é diferente do latino. Ao mesmo tempo, nós, brasileiros, somos muito melindrados, não conseguimos ouvir as verdades.
O lado bom daqui é o pragmatismo, a objetividade e a falta de filtro na fala. Por um lado, você se sente acolhido ao não falar e ouvir a verdade, mas, por outro, isso não favorece muito nem mesmo a inovação, porque ela precisa de divergência construtiva e de “nãos” para aparecer.
FONTE: (Meio e Mensagem)