Sucessivos adiamentos do prazo de extinção dos cookies já indicavam que alterar modelo de negócio da indústria não seria algo simples, na visão do mercado de comunicação
A notícia de que não iria mais eliminar o acesso aos cookies de terceiros do Chrome, dada pelo Google no início da semana, causou impressões distintas no mercado publicitário. Após mais de quatro anos incitando a indústria a encontrar formas diferentes de impactar seu público, era esperado, por parte das empresas do setor, que o Google se mantivesse no propósito da construção de um futuro sem cookies.
Por outro lado, os sucessivos adiamentos do prazo para a extinção definitiva dos cookies de terceiros já indicavam que não seria tão simples alterar uma lógica de décadas sob a qual foi estruturada a engrenagem da comunicação digital.
“Grande parte do setor de tecnologia e publicidade não acreditava na rapidez com que essa transição poderia ocorrer”, admite Priscila Sanita, diretora-executiva de dados e business intelligence da ID\TBWA.
A profissional sinaliza que as idas e vindas do Google em relação ao prazo para a extinção definitiva dos cookies faz com que o anúncio da manutenção das extensões fosse, de certa forma, esperada. “A complexidade de desenvolver alternativas, aliado à necessidade de manter a indústria da publicidade funcionando torna compreensível o adiamento”, complementa.
Cookies: dificuldades de transição de modelo
Ao fazer um retrospecto dos anúncios feitos pelo Google desde o início de 2020, quando, pela primeira vez, assumiu a intenção de extinguir os cookies de terceiros, até os mais recentes complementos sobre as funcionalidades do Privacy Sandbox, seu projeto de alternativa ao uso de cookies, Daniel Stochero, head de mídia e performance do Grupo Duo&Co, diz que era esperado que o Google reconsiderasse a decisão.
“Grande parte de sua receita [do Google] vem de publicidade e limitar o uso de dados pelos anunciantes geraria um efeito rebote nas empresas que investem, por exemplo, no Google Ads”, comenta Stochero.
O profissional reitera que, hoje, na publicidade, grande parte da tecnologia ainda é dependente de cookies para a personalização de anúncios conforme a jornada do usuário, produtos e interesses. Com a eliminação desses cookies, diz ele, haveria uma limitação técnica para segmentar públicos-alvo e personalizar as campanhas, resultado em menos conversões.
Privacidade e cookies: outra discussão
Já outros profissionais da indústria de publicidade veem essa notícia da manutenção dos cookies como algo mais relacionado à discussão da privacidade no ambiente online. A extinção dos cookies ou de qualquer outra tecnologia semelhante de personalização traria impacto, mas está longe de ser a solução das questões de privacidade que o mercado está discutindo, na opinião de Guilherme Soter, sócio e CEO do GDB.
O executivo diz que as críticas apresentadas pelo mercado às soluções propostas como alternativas aos cookies, como o próprio Privacy Sandbox, do Google, iam nessa linha: se por um lado eram insatisfatórias para a indústria, por poutro, também pouco endereçavam questões sensíveis sobre a coleta e compartilhamento de informações e clareza do uso de dados para personalização de conteúdo.
“Diversas linhas de negócio, soluções e serviços serão impactadas diretamente nessa decisão, que acaba também influenciando em várias outras medidas tomadas por entidades, agências reguladoras e instituições de mercado. Se por um lado, de certa forma, o movimento [do Google] era esperado pela dificuldade em se propor uma solução eficiente à altura, por outro, causa enorme surpresa pelo compromisso que a empresa tinha assumido”, analisa Soter.
Desde a primeira vez que o Google mencionou a respeito do fim do uso de cookies para endereçar publicidade no Chrome, a indústria de agências e anunciantes tomaram consciência de que era preciso encontrar novas alternativas. Não faltou, nos últimos quatro anos, pressão para que a big tech adiasse o término definitivo do suporte às extensões para que a engrenagem publicitária não deixasse de funcionar.
Nesse movimento, grandes companhias, como Adobe, Yahoo e, principalmente, o próprio Google, correram para apresentar suas soluções alternativas de personalização dos dados de usuários no ambiente digital. Em meio aos testes e experimentos dessas soluções, contudo, também vieram críticas e receio acerca das limitações que elas trariam.
“As soluções propostas pelo Google impediriam terceiros de extrair e manter os dados dos usuários, centralizando todo o poder no navegador Chrome, ou seja, nas mãos do Google”, analisa Igor Souza, head of performance and experience da Corebiz.
Dessa forma, segundo Souza, os dados privados dos usuários ainda seriam coletados, não aumentando sua privacidade. “Os anunciantes teriam uma enorme dependência dos dados, agora centralizados no Google e o mercado veria a gigante dos navegadores, buscadores e anúncios ainda mais forte e dominante”, projeta.
Medidas menos drásticas
Taciana Rettore, diretora de operações da ShowHeroes no Brasil, não esperava que o Google cumprisse o cronograma da extinção dos cookies dada às constantes prorrogações realizadas ao longo do tempo. No entanto, um recuo total na proposta também não era imaginado. “Talvez, algo mais no meio do caminho”, comenta.
De todas as formas, segundo ela, a decisão parece estar diretamente relacionada aos feedbacks que a indústria de publicidade digital manifestava em relação ao tema. “Acredito que seja uma estratégia para manter e preservar sua posição no mercado de publicidade digital, oferecendo alternativas de privacidade menos restritivas, com impacto menor ao anunciante”, descreve.
Priscila, da ID\TBWA, reforça que muitos anunciantes não estavam satisfeitos com o nível de segmentação e mensuração oferecido pelas novas ferramentas, mostrando que essas soluções ainda não estavam totalmente prontas para substituir os cookies de maneira eficaz. “Essa desconfiança do mercado provavelmente contribuiu para a decisão do Google”, aposta.
Indústria transformada, com ou sem cookies
Ainda que o Google tenha decidido não mais eliminar as extensões aos cookies de terceiros do Chrome, profissionais da indústria não deixam de considerar que esses anos de preparação para uma mudança no cenário de publicidade digital já causou transformações na indústria.
Grandes players do mercado, como Facebook e Apple, já implementaram medidas para limitar o rastreamento de usuários em suas plataformas, seja através de atualizações de software que dificultam o acesso aos cookies de terceiros, seja por meio de novas políticas de privacidade que exigem o consentimento explícito dos usuários, pontua Stochero, do Grupo Duo & Co.
Para o CEO e sócio do GDB, por exemplo, o fato de o Google ter voltado atrás na decisão não impacta o trabalho da companhia, que já vinha orientando os clientes a atuar em uma realidade sem cookies. “Temos levantando essa bandeira há bastante tempo em nossas soluções e modelo de negócio, buscando identificar sinais que, quando bem equilibrados, permitem customização adequada e resultados sólidos sem comprometer a privacidade dos usuários”, explica Soter.
No comunicado sobre a decisão de manter os cookies, o Google deixou claro que seguirá trabalhando no incremento das soluções do Privacy Sandbox. “Continuaremos disponibilizando as APIs do Privacy Sandbox e investindo nelas para melhorar ainda mais a privacidade e a utilidade. Também pretendemos oferecer controles de privacidade adicionais, por isso planejamos introduzir a Proteção de IP no modo de navegação anônima do Chrome”, prometeu a big tech.
FONTE: (Meio e Mensagem)