Nos artigos que publicamos hoje, você vai ler sobre: Inteligência Artificial Generativa e a transformação da publicidade digital, A IA revoluciona o conteúdo e pressiona as marcas por relevância, Boreout: Por que o Tédio é um Perigo Oculto no Ambiente de Trabalho, Brasil precisa congelar salário mínimo por seis anos, diz Armínio Fraga e Conheça a Mente Brasileira Por Trás da Revolução Tecnológica do Google
Inteligência Artificial Generativa e a transformação da publicidade digital
Por Adilson Batista
A Inteligência Artificial Generativa está mudando radicalmente a forma como a publicidade digital é feita. No meu dia a dia, vejo que essa tecnologia transformou todas as etapas do processo criativo, desde o primeiro insight até a validação final das campanhas.
Na fase de ideação, as ferramentas de geração de texto oferecem sessões instantâneas de brainstorming, fornecendo sugestões rápidas e criativas para slogans, roteiros ou conceitos visuais. Isso expande e acelera significativamente o processo criativo, permitindo que você explore milhares de ideias em apenas alguns minutos, sem depender exclusivamente de inspiração pessoal.
Quando se trata de criação de conteúdo, a mudança é ainda mais evidente. Existem ferramentas avançadas que geram anúncios completos, desde textos bem elaborados até imagens personalizadas para diferentes tipos de público. A IA finalmente trouxe algo que o mercado buscava há muito tempo: hiperpersonalização em escala. Isso nos permite entregar a mensagem certa, na hora certa, para a pessoa certa, com uma eficiência que seria impossível manualmente.
Esses avanços não significam apenas ganhos de eficiência, mas também um salto quantitativo nas campanhas. Anúncios que costumavam levar semanas para serem lançados agora podem ficar prontos em dias ou até horas. Grandes anunciantes já perceberam isso, destacando que a IA generativa reduziu significativamente o tempo necessário para a produção criativa, liberando mais tempo para a equipe se concentrar em decisões estratégicas.
Além disso, a qualidade dos anúncios melhorou porque algoritmos inteligentes analisam o comportamento passado e otimizam cada detalhe, desde títulos a imagens e chamadas para ação, aumentando o engajamento geral. Na prática, muitas empresas de alto desempenho já estão adotando essas tecnologias.
Outro ponto interessante é que essa revolução não se limita apenas à criação de anúncios. Na etapa de distribuição e entrega, plataformas como o AI Sandbox da Meta já utilizam IA para ajustar o conteúdo dinamicamente com base nas reações do público em tempo real, gerando diversas versões adaptadas automaticamente para cada canal. Mas, para aproveitar tudo isso, é essencial ter uma base de conhecimento sólida. As empresas devem estruturar cuidadosamente suas informações internas – desde guias de estilo, históricos de campanhas anteriores e catálogos de produtos até interações com clientes em redes sociais, avaliações e pesquisas de mercado. Tudo isso funciona como combustível para a IA, permitindo que ela crie um conteúdo mais preciso e alinhado à identidade da marca.
Hoje, existem plataformas e tecnologias como a Retrieval Augmented Generation (RAG) que podem acessar rapidamente esse banco de dados e gerar conteúdo coerente e personalizado. Empresas líderes, como a Coca-Cola, já demonstraram o potencial dessa abordagem combinando modelos como GPT-4 e DALL-E com sua própria coleção, garantindo que a IA capture e reproduza o verdadeiro espírito da marca. Conectada a um bom banco de dados, a IA generativa também se torna uma poderosa máquina de insights. Ela analisa enormes volumes de informações para identificar tendências e oportunidades que muitas vezes passariam despercebidas. Um exemplo é como grandes marcas podem prever tendências de consumo analisando milhões de interações online, gerando insights úteis para campanhas muito mais eficientes.
É aí que a IA entra em ação, produzindo conteúdo altamente personalizado. Os resultados são impressionantes: textos e imagens são gerados instantaneamente e adaptados a diferentes perfis de público, aumentando drasticamente a eficácia das campanhas. Um exemplo claro é o da Michaels Stores, que atingiu níveis quase totais de personalização em suas comunicações, melhorando significativamente seus resultados.
A criatividade também ganha novos horizontes com a IA, possibilitando inclusive a cocriação entre marcas e consumidores. A campanha “Create Real Magic” da Coca-Cola é um ótimo exemplo, com consumidores usando IA para gerar arte única, alcançando níveis altíssimos de engajamento.
Vale ressaltar que, mesmo com toda essa automação, o fator humano continua essencial. O papel dos profissionais passa a ser de curadoria e refinamento, selecionando e aprimorando as ideias geradas pela IA, garantindo o alinhamento estratégico e emocional das campanhas. Outro ganho importante é a validação prévia das ideias. Hoje, modelos de IA simulam o desempenho das campanhas antes de elas serem publicadas, ajudando a identificar rapidamente o que funciona melhor e reduzindo significativamente os riscos. Empresas como a Kantar já fazem isso em minutos, prevendo o impacto real dos anúncios antes mesmo de serem lançados.
Essas simulações vão além dos números, fornecendo também insights qualitativos que ajudam a entender como diferentes públicos podem reagir a uma campanha, funcionando como verdadeiros grupos focais virtuais.
A chave para que tudo isso funcione são os dados certos. Dados proprietários, mídias sociais, relatórios de mercado, conversas de atendimento ao cliente e conteúdo produzido anteriormente são essenciais para que a IA forneça resultados verdadeiramente personalizados e eficazes.
Essa transformação veio para ficar. Hoje, é possível fazer muito mais com menos, lançando campanhas mais assertivas, rápidas e com alto potencial de retorno. É claro que existem desafios, como garantir ética e qualidade, mas o caminho já está claro: a publicidade digital será cada vez mais guiada por Inteligência Artificial, e os profissionais de marketing terão um papel estratégico fundamental na pilotagem e no refinamento desses resultados.
A IA revoluciona o conteúdo e pressiona as marcas por relevância
Por Carol Montuori
A popularização da inteligência artificial transformou profundamente a criação de conteúdo. Hoje, textos, imagens e vídeos podem ser produzidos em segundos, com apenas alguns cliques. No entanto, esse avanço tecnológico trouxe um efeito colateral significativo: a padronização. Segundo a Europol, até 2026, 90% do conteúdo disponível na internet poderá ser gerado por IA. Um estudo da Originality.ai indica que atualmente 57% do que consumimos online já é produzido por sistemas automatizados. Com o amplo acesso às mesmas ferramentas, cresce a importância de desenvolver abordagens criativas e autênticas para escapar da homogeneidade do conteúdo automatizado e ganhar relevância em um cenário digital cada vez mais saturado.
O que antes era um diferencial tornou-se o novo básico. A internet vive a era do “conteúdo commodity” — materiais genéricos, replicáveis e sem personalidade. Nesse novo cenário, a diferenciação não se resume mais ao volume, mas sim à autenticidade e ao posicionamento estratégico. Dados do Gartner mostram que o marketing personalizado pode aumentar as taxas de conversão em até 80%, o que reforça a importância de um conteúdo que combine tecnologia e inteligência humana. Experiências reais, posicionamento de marca e formatos criativos são elementos-chave para escapar da irrelevância digital.
“Inteligência artificial não é o problema. Ela pode ser uma muleta ou uma alavanca: se você não tiver conhecimento aprofundado sobre o assunto, não fará diferença. Mas se você souber usá-la, ela pode te impulsionar”, afirma Thiago Muniz, fundador e CEO da consultoria Receita Previsível. Para ele, a IA deve ser uma aliada da estratégia, não uma substituta do pensamento. Em um cenário em que tudo tende a parecer igual, conteúdo autêntico e bem segmentado será o maior diferencial competitivo para marcas e negócios B2B.
Boreout: Por que o Tédio é um Perigo Oculto no Ambiente de Trabalho
Por Bryan Robinson
Em média, sete a cada dez brasileiros estão desengajados no trabalho, segundo relatório da consultoria global Gallup. A falta de tarefas significativas e desafiadoras no trabalho ganhou nome: “síndrome do tédio extremo”, ou “boreout” — apesar do nome, bem distante do burnout, doença ocupacional caracterizada pelo esgotamento causado pelo excesso de demandas de trabalho.
Quem enfrenta o boreout não está sobrecarregado, mas sim desmotivado, desengajado e, aos poucos, se desconectando do trabalho. Esse estado pode comprometer a saúde mental e física, afetar o clima organizacional, reduzir o engajamento da equipe e, como consequência, impactar negativamente os resultados da empresa.
Como identificar a “síndrome do tédio extremo”
Ironicamente, os sintomas do boreout se assemelham aos descritos pela Organização Mundial da Saúde para o burnout: sensação de exaustão, fadiga, distanciamento mental do trabalho, sentimentos de negatividade ou cinismo e baixa eficácia profissional.
Estar na mesma função com as mesmas responsabilidades por um longo período, não enxergar oportunidades claras de crescimento ou ter poucas interações sociais com colegas são alguns dos fatores que contribuem para o boreout, segundo Karishma Patel Buford, diretora de pessoas da Spring Health, plataforma de saúde mental personalizada para empresas. “O boreout também pode surgir quando a companhia não oferece aos funcionários condições pa Esse quadro não é inédito. O termo foi cunhado em 2007 no livro “Diagnose Boreout“, dos consultores suíços Peter Werder e Philippe Rothlin. Historicamente, a condição está associada a tarefas monótonas e repetitivas, como em linhas de montagem, ou a cargos em que os colaboradores se sentem desvalorizados, não reconhecidos ou em funções sem propósito, significado ou interesse.
Desconexão com o trabalho
Annie Rosencrans, diretora de pessoas e cultura da HiBob, plataforma de RH focada em automação e engajamento de equipes, vê o boreout como um sintoma da desconexão de profissionais com o trabalho. “Não é segredo que vivemos uma crise de desengajamento dos funcionários”, afirma. “Enquanto alguns casos começaram com o burnout, agora vemos o problema ‘oposto’ ganhar força com o boreout.”
Os reflexos negativos podem ser vistos nos índices de bem-estar e satisfação de profissionais no ambiente corporativo. Segundo um relatório global da Gallup de 2024, um em cada cinco funcionários no mundo se sente sozinho no trabalho. Só no Brasil, 25% dos profissionais afirmam estar tristes e 46% sentem estresse diariamente.
Joe Galvin, diretor de pesquisas da Vistage, rede global de mentoria focada em liderança e crescimento empresarial, considera o boreout um precursor do quiet quitting, ou demissão silenciosa — quando o funcionário se desliga mental e emocionalmente do trabalho, fazendo apenas o mínimo necessário para se manter no cargo. “O termo descreve profissionais desmotivados após um longo período sem desafios ou estímulos no trabalho.”
Jason Helfrich, cofundador da 100% Chiropractic, rede de clínicas quiropráticas nos EUA, afirma que o boreout está relacionado com a reação da geração mais jovem às exigências de retorno ao escritório. “Sentimentos de tédio, apatia, frustração, desesperança e desvalorização são reais, embora nem sempre sejam culpa do empregador — pelo menos não em todos os casos.”
O antídoto das empresas para o boreout
A executiva da HiBob argumenta que os riscos do boreout não se limitam à perda de produtividade ou de criatividade. Eles também envolvem a falta de uma cultura baseada em colaboração e conexão. “Como líderes e gestores, temos a obrigação de promover esse tipo de cultura na empresa e nas equipes”, afirma. “E como funcionários, é importante se posicionar e aproveitar ao máximo o ambiente de trabalho para encontrar propósito e satisfação na função.”
Ilya Trakhtenberg, diretor e sócio da L.E.K. Consulting, consultoria global especializada em crescimento corporativo, e coautor do livro para líderes “Predictable Winners”, aponta uma relação direta entre boreout e inovação. “O boreout reduz a capacidade de inovação de uma organização, e a baixa inovação aumenta o boreout”, afirma. “O oposto também é verdadeiro — uma cultura de inovação reduz o boreout, aumenta o engajamento e impulsiona o sucesso.”
Seu coautor, Stuart Jackson, vice-presidente da L.E.K. Consulting, complementa: “Um antídoto poderoso contra o boreout é colocar as pessoas em equipes nas quais possam experimentar, inovar e crescer. Uma empresa em crescimento é sempre mais energizada do que uma estagnada.” O executivo encoraja as companhias a criarem uma cultura que valorize e incentive a experimentação como base para a inovação e o desenvolvimento.
Buford, diretora de pessoas da SpringHealth, afirma que é responsabilidade dos líderes promover um ambiente que favoreça o crescimento profissional e pessoal dos funcionários. “Isso significa criar oportunidades de conexão significativa, reduzir o isolamento e incentivar a vivência de novas experiências.”
A executiva destaca que, para colocar as estratégias em prática, as empresas podem adotar programas de mentoria, trabalho em escritórios diferentes, treinamentos entre departamentos, participação em conferências ou outras iniciativas voltadas para o desenvolvimento. “Essa nova tendência também reforça a importância do apoio à saúde mental no ambiente de trabalho.”
Como os funcionários podem evitar a síndrome do tédio extremo
Embora os líderes devam oferecer um ambiente acolhedor, com tarefas relevantes, reconhecimento e possibilidade de avanço, também cabe ao colaborador buscar motivação interna, inspiração e oportunidades — enfrentando desafios, lidando com conflitos e aproveitando a energia coletiva do trabalho em equipe.
“Se você perceber que está começando a se desligar do trabalho devido ao boreout, busque oportunidades de conexão e reencontro com o seu propósito”, orienta Rosencrans, diretora de pessoas e cultura da HiBob. “Isso pode significar pedir novas mentorias, marcar reuniões individuais com líderes para discutir crescimento fora das avaliações formais, ir ao escritório para colaborar com outros times ou buscar treinamentos e novas experiências.” A executiva também reconhece que as pessoas querem se sentir animadas, engajadas e estimuladas pelo trabalho — tanto intelectual quanto socialmente.
Mas se você está se desconectando, perdendo o desejo de crescer ou o apreço pela sua função, talvez esteja enfrentando esse quadro. Helfrich recomenda olhar para dentro e refletir sobre o que te motivaria a dar o melhor de si. Em seguida, alinhe suas metas com seu gestor e identifique o “porquê” por trás delas. “Questione por que você escolheu esse trabalho, faça as mudanças necessárias ou busque uma função que traga realização pessoal.”
Brasil precisa congelar salário mínimo por seis anos, diz Armínio Fraga
Por Mariana Desidério
O economista Armínio Fraga afirmou que o Brasil precisa congelar o salário mínimo “em termos reais” por seis anos. No sábado, o ex-presidente do Banco Central (1999-2003) participou da Brazil Conference, evento que ocorre neste fim de semana na Universidade de Harvard e no MIT (Massachusetts Institute of Technology), em Cambridge, nos Estados Unidos.
O que ele disse
Economista diz que país precisaria congelar o salário mínimo. Armínio Fraga falou sobre a necessidade de o país fazer um aperto fiscal e sobre o gasto público no país, que vai em boa parte para pagar a previdência. Para ele, seria necessário “congelar o salário mínimo em termos reais” por seis anos.
O congelamento em termos reais significa não ter aumento do salário mínimo acima da inflação. Pela regra atual, o aumento real do salário mínimo pode ser de até 2,5%. A concessão do reajuste acima da inflação para o salário mínimo foi uma das principais promessas de Lula na campanha presidencial.
Armínio também falou sobre a necessidade de uma ‘reforma radical’ no Estado. “O gasto com folha de pagamentos e previdência no Brasil chega a 80%, é um ponto completamente fora da curva”, disse.
Posicionamento dos Estados Unidos assusta. Ao comentar o posicionamento recente do presidente dos EUA Donald Trump, Fraga disse que fica assustado. “Quando vejo o presidente dos Estados Unidos maltratando, humilhando o Canadá, o México, fico assustado. Onde vamos desse jeito?”, disse.
O melhor no momento é o Brasil manter independência. “O Brasil tem que manter certa independência, e ficar mais cuidadoso nas suas posições”, disse.
Conheça a Mente Brasileira Por Trás da Revolução Tecnológica do Google
Por Caroline de Tilia
Nascido em São Paulo e criado em Belo Horizonte, Mat Velloso não teve uma trajetória linear ou tradicional. O executivo, formado pela Faculdade de Administração de Brasília, deu o pontapé em sua carreira internacional aos 30 anos, quando decidiu abrir mão de um negócio em ascensão no Brasil para suprir o desejo de “conhecer o mundo”.
“Minha empresa [em BH] estava indo bem, eu tinha 100 funcionários. Porém, chegando aos 30 anos, pensei: ‘olha, ou eu faço isso para o resto da minha vida ou eu vou conhecer o mundo’. Então, eu vendi tudo o que tinha e fui para Nova Zelândia”, conta Velloso, que optou pelo país por sua cultura e casos exemplares, como a igualdade de gênero
Programador por natureza, Mat deixou seu empreendimento em tecnologia no Brasil para começar do zero no país do Atlântico, onde as portas da Microsoft se abriram pela primeira vez. “Não conhecia ninguém lá — a ideia era começar do zero. E comecei. Prestava serviços de consultoria para a Microsoft, que, posteriormente, me convidou para entrar como funcionário.”
Durante os 15 anos em que trabalhou na companhia fundada por Bill Gates, o brasileiro trabalhou diretamente com Satya Nadella, atual CEO da Big Tech. “Me tornei conselheiro dele por quatro anos. Tive a oportunidade de estar entre as 20 primeiras pessoas a ver o nascimento do GPT [ChatGPT]. Estávamos tentando entender o que faríamos com aquilo”, relembra o executivo.
A migração para o Google se deu de forma natural. Mais uma vez, em busca de novidades, Velloso entendeu que seu tempo na Microsoft havia terminado. “Fui muito transparente com o Satya. Disse: ‘Agradeço por tudo, mas quero estar na vanguarda [da IA] — e a empresa não vai me levar até lá.’ Foi então que o Google me procurou. Tive conversas com o Sundar [Pichai, CEO da companhia], e eles me convidaram para trabalhar diretamente com programadores e desenvolvedores. Eles acreditam que terão os melhores modelos — e com razão. O Demis Hassabis, chefe do meu chefe, acabou de ganhar um Prêmio Nobel de Química. É um time espetacular.”
Em entrevista à Forbes Brasil durante o Google Cloud Next 2025, Mat Velloso compartilha detalhes de sua jornada, o momento da IA para os negócios globais, os dilemas da tecnologia e o impacto (cada vez maior) das ferramentas no cotidiano. Confira:
Forbes Brasil: Você é formado em administração de empresas mas trabalhou majoritariamente com tecnologia. Como sua relação com tech começou?
Mat Velloso: “Eu comecei a programar computadores com 9 anos de idade. Quando tinha 12, em Belo Horizonte, eu pegava um ônibus por uma hora para assistir às aulas de programação para adultos, porque não havia turmas para crianças.
Mais tarde, abri uma empresa no Brasil com amigos e começamos a prestar consultoria para empresas como Vale do Rio Doce, Banco Mercantil e Correios. Nessa época, eu já tinha largado a faculdade de Ciência da Computação duas vezes. Foi aí que percebi que, como estava administrando uma empresa, o que eu realmente precisava era aprender a gerenciar o negócio. Então, decidi fazer Administração.
Minha empresa [em BH] estava indo bem, eu tinha 100 funcionários. Porém, chegando aos 30 anos, pensei: ‘olha, ou eu faço isso para o resto da minha vida ou eu vou conhecer o mundo’. Então, eu vendi tudo o que tinha e fui para Nova Zelândia, o país mais diferente que consegui imaginar. É o menos corrupto do mundo, onde as mulheres conquistaram o direito ao voto antes de qualquer outro país. Não conhecia ninguém lá — a ideia era começar do zero. E comecei. Liderava um time de consultoria e, depois de pouco mais de um ano, a Microsoft me convidou para entrar como funcionário.
Anos depois, quando vim para os Estados Unidos, a própria Microsoft financiou meu mestrado em Ciência da Computação. Passei 15 anos na empresa. Trabalhei diretamente com Satya Nadella e me tornei conselheiro dele por quatro anos. Tive a oportunidade de estar entre as 20 primeiras pessoas da empresa a ver o nascimento do GPT. Estávamos tentando entender o que faríamos com aquilo.”
FB: Como se deu a transição para o Google?
MV: “Com o tempo, comecei a me frustrar. A Microsoft não cria IA, ela terceiriza. Eu não queria trabalhar em uma empresa que esperava outra empresa entregar um modelo para então fazer algo. Queria estar à frente da curva.
Fui muito transparente com o Satya. Disse: ‘Agradeço por tudo, mas quero estar na vanguarda — e essa empresa não vai me levar até lá.’ Foi então que o Google me procurou. Tive conversas com o Sundar, e eles disseram: ‘Você passou a carreira trabalhando com programadores, venha para cá. Queremos construir algo para desenvolvedores.’
Eles acreditam que terão os melhores modelos — e com razão. O Demis Hassabis, chefe do meu chefe, acabou de ganhar um Prêmio Nobel de Química. Eu programo computadores há 40 anos e eu nunca estive tão excitado por essa área igual eu estou agora.”
FB: Como os aprendizados com o empreendedorismo no Brasil influenciam sua liderança atualmente?
MV: “Quando penso em liderança, especialmente nas grandes empresas de tecnologia — como Microsoft, Google, Meta — eu realmente acredito que todo mundo deveria passar um tempo trabalhando em uma startup. Porque, numa startup, se você erra, você morre. Não tem espaço para erro. Você precisa validar suas ideias o tempo todo.
A cultura que aprendi com os líderes de produto mais bem-sucedidos é: formule hipóteses e teste. Aplique o método científico. Todos nós temos ideias — e muitas vezes elas são ruins. E numa startup, você não pode se apegar a uma ideia ruim por três anos, porque ela vai te levar à falência.
Então a pergunta é: como posso testar essa ideia o mais rápido possível, eliminar as que não têm boas hipóteses e seguir em frente com as que têm? Acho que isso foi fundamental para o que deu certo na minha trajetória.
No Brasil, isso é duas vezes mais verdadeiro. Uma empresa brasileira não tem o luxo de sustentar uma ideia ruim por anos. Ela simplesmente não sobrevive.”
FB: O Google DeepMind é responsável pelos principais produtos de IA da companhia, como o AI Studio. Como vocês trabalham para proteger os direitos autorais e copywriting?
MV: “Primeiro, vale dizer que eu sou músico — e por muito pouco não segui essa carreira. Fiz 20 anos de piano clássico. Meu irmão mais novo é doutor em música e professor da Universidade Federal de Minas Gerais. Venho de uma família profundamente conectada com a arte.
Dito isso, quero deixar claro que eu não entrei nessa profissão para substituir seres humanos. Muito pelo contrário. O que me encanta no software é a capacidade de gerar valor econômico. A ideia de substituir o ser humano não tem graça nenhuma pra mim. O ser humano é único.
O que vejo, inclusive com meu próprio irmão, é que músicos têm usado essas ferramentas para aumentar sua produtividade e acelerar o processo criativo. Quando a calculadora surgiu, ninguém processou quem a inventou por violação de copyright dos números.
Agora, falando especificamente sobre proteção de direitos autorais, não vou entrar em detalhes técnicos, mas posso dizer que vocês não fazem ideia da quantidade de verificações e checagens que realizamos. Temos times legais, de segurança e especialistas em leis de diferentes países. Enfim, é um processo extremamente cuidadoso. E ninguém no meu time tenta burlar isso. Muito pelo contrário — levamos isso muito a sério.
Essas ferramentas apenas aceleram a produtividade. Mas não têm — e nem devem ter — o papel de substituir o ser humano. Essa nunca foi, nem será, a nossa intenção.”
FB: O DeepMind também abrange o AlphaFold, plataforma responsável pelo Prêmio Nobel do Demis Hassabis. Na sua perspectiva, como a IA profunda vai impactar o desenvolvimento científico?
MV: “Olha, sem querer colocar palavras na boca do Demis, mas se você perguntar para ele o que mais o entusiasma, eu diria que é justamente isso: como a inteligência artificial pode acelerar o progresso científico. É claramente onde está a paixão dele.
O fato de ele ter ganhado um Prêmio Nobel já é um sinal — e eu não duvido nada que, em alguns anos, a maioria dos prêmios venham de descobertas impulsionadas por IA. Vai ser como aconteceu com o xadrez: hoje em dia, a IA vence qualquer ser humano. No caso da ciência, a IA não vai “ganhar” do cientista, mas vai ser essencial para avançar mais rápido. Quem não usar IA, não vai conseguir acompanhar o ritmo. Simplesmente porque a IA digere informação numa velocidade que não tem comparação. Vai ser uma mudança inevitável — e transformadora.
FB: Ao mesmo tempo que a IA pode trazer soluções transformadoras, ela também representa um grande desafio para a sustentabilidade global. Como o Google atua para mitigar esse consumo de água e energia?
MV: “Essa é uma das grandes questões, sim. E, basicamente, tudo se resume a duas perguntas: quão inteligente é o modelo — e o quão barato ele é em termos de recursos. E, nesse sentido, os modelos mais eficientes do ponto de vista energético são, de longe, os do Google.
A quantidade de GPUs que ele precisa para alcançar determinado nível de inteligência é muito menor do que o necessário em outros modelos.
Quando a gente fala de meio ambiente, é aí que está a diferença. Um modelo eficiente pode rodar com uma fração da energia — enquanto outros precisam de um caminhão de eletricidade para entregar o mesmo resultado.”
FB: Do ponto de vista de negócios, como as empresas podem extrair valor da IA?
MV: “Eu gosto de explicar isso com uma analogia. ‘Eu vou reformar a minha casa e comprei uma ferramenta nova, super bacana, que acabou de sair no mercado. A tentação é sair procurando onde eu posso usar essa ferramenta. Mas, se eu fizer isso, o resultado final será completamente aleatório.’
O outro jeito de pensar é: ‘Quero reformar minha casa. O que eu quero com isso? Aumentar a metragem? Modernizar os cômodos? Criar um quarto para os filhos?’ Ou seja, primeiro você define o problema. Depois, escolhe as ferramentas necessárias para atingir aquele objetivo. Uma delas pode ser essa ferramenta nova incrível, mas outras serão ferramentas antigas também. A diferença é que agora você tem um plano — sabe onde quer chegar. E o resultado tende a ser muito melhor.
Acho que, quando o assunto é IA, muita gente faz o contrário: começa pela ferramenta sem pensar no problema. Meu conselho é: esqueça a IA por um momento. Primeiro, faça uma lista das maiores dores da sua empresa. Pense grande — parta do princípio de que, com IA, mágica é possível.
E eu prometo: não existe empresa hoje que não tenha um milhão de processos manuais que não poderiam ser acelerados com IA.”
FB: Como você disse, “mágica é possível”. Partindo dessa afirmação, quais são os limites da IA? Seja de forma ética ou tecnológica.
MV: “Em relação aos limites éticos, pra mim isso é inegociável. Se alguém me pedir para fazer algo antiético, eu simplesmente pediria demissão. E eu tenho certeza de que meu time inteiro sente o mesmo. Isso não tem nem discussão.
Mas, ao mesmo tempo, acredito que empresas de tecnologia não deveriam ser as responsáveis por decidir o que é certo ou errado. Isso sempre me pareceu estranho. Quem deve fazer isso são os legisladores. São eles que criam as leis que definem o que é permitido ou não — e cabe a nós obedecer a essas leis.
Agora, deixando a parte ética de lado e olhando para os limites tecnológicos, a verdade é que a gente ainda está só no começo de uma progressão exponencial. E muita gente ainda não percebeu essa mudança porque ela vai se acelerar muito nos próximos anos.
Tem um exemplo que gosto de usar: imagine que você está em um estádio de futebol e tem uma gota d’água. A cada minuto, o volume dessa água dobra. Nos últimos minutos, o estádio ainda parece meio vazio, de repente, ele enche completamente. É assim que a IA está evoluindo. Parece lento no início, mas o crescimento é exponencial, e quando a gente perceber, tudo vai ter mudado.
Hoje, por exemplo, estamos trabalhando com um protocolo chamado MCP, que está virando padrão no mercado para que agentes de IA conversem entre si. Em algum momento, esses modelos vão criar suas próprias linguagens. Vão começar a se comunicar entre eles de formas que a gente talvez nem compreenda. E isso já está começando a ser estudado. Por enquanto, usamos os protocolos que nós mesmos criamos. Mas o limite? Ele ainda nem apareceu no horizonte.”